Uma visão analítica do perfil de consumo no Brasil pré, durante e pós pandemia

INTRODUÇÃO

O perfil do consumidor brasileiro pré e durante a pandemia

Nos últimos anos, impulsionado pela crise econômica, pela evolução tecnológica e pelas crises climáticas, tem-se observado uma mudança do perfil do mercado de consumo brasileiro (algumas novas tendências podem ser vistas aqui). Fatores como valores sociais, sustentabilidade, qualidade de vida, ética e transparência ganharam um protagonismo nunca antes observado na escolha de um produto ou serviço.

Além disso, a insegurança gerada pela recessão e aumento do desemprego fez com que os consumidores reduzissem os seus gastos, buscassem alternativas como diversificar canais de compra, trocar de marcas e priorizar o custo benefício na escolha de produtos e alterassem o seu perfil de abastecimento de hiper para atacarejo. Aliado a isto tudo, o crescimento da geração millennial impulsionou as vendas através do e-commerce e uma tomada de decisão por mídia social.

Com o início da pandemia, houve uma queda no consumo, a insegurança econômica aumentou, a saúde e alimentação entraram no foco e o distanciamento social acelerou certos comportamentos, como a expansão do hábito de comprar pela internet para outras gerações, como idosos passando a utilizar cada vez mais o comércio online. Tudo isso a uma velocidade jamais vista até aqui, forçando as empresas a repensarem suas estratégias de venda, logística e marketing.

Em suma, ocorreram mudanças nos perfis do consumidor e das empresas brasileiras, porém podemos pensar nelas como consequências e não como causas do cenário socioeconômico nacional durante e pós-pandemia. Na verdade, a crise financeira internacional reflete em cada país suas condições de desigualdade e tem seus impactos negativos, sobre os quais tratamos a seguir, na Seção 1. Na Seção 2, discorreremos acerca dos índices que denotam impactos socioeconômicos das mudanças dos perfis dos consumidores (veja mais aqui).

1. Os impactos da crise financeira internacional na economia brasileira no cenário durante e pós-pandemia

A recente crise financeira internacional teve sérios impactos negativos sobre diversas economias nacionais, afetando o consumo, a produção e o mercado de trabalho. No entanto, o impacto dessa crise internacional sobre o nível de atividade econômica e o mercado de trabalho foi distinto em cada país.

A adaptação e reinvenção do mercado de trabalho durante e provavelmente pós pandemia revela o cenário de desigualdades. As classes economicamente desfavorecidas estão expostas, devido à falta de acesso ao saneamento básico e de moradia que lhes permita distanciamento social e os devidos cuidados, bem como um tipo de trabalho que não as exponha a riscos maiores de contaminação. Um exemplo disso são os motoristas de ônibus, que não conseguem evitar a exposição a um grande número de pessoas todos os dias.

Constata-se que mais da metade das pessoas em idade de trabalhar estão desempregadas. Isso sem considerar os desalentados, que são aqueles que não procuram emprego por não terem expectativas de sucesso, e que hoje somam mais de 5 milhões no país. A Figura 1 mostra uma queda drástica no número de empregados e empregadores no Brasil em 2020 comparado a 2019.

 

5.1.png

Figura 1 – índices de desemprego ao longo dos anos

Legenda: Gerada pela DataSprints no Einstein Analytics, da Salesforce.

Legenda: employed home worker (empregado trabalhando em casa) , employed private sector (empregado do setor privado), employed public sector (empregado do setor público), employees (empregadores), freelancers (autônomos), unregistered private sector (empregados informais do setor privado)

Em junho, o IBGE divulgou uma pesquisa que busca identificar os efeitos da pandemia no mercado de trabalho e na saúde dos brasileiros. Esta pesquisa mostrou que, devido à pandemia, para aqueles com mais sorte, houve redução na renda; 19 milhões de trabalhadores foram afastados do trabalho, e, destes, 9,7 milhões ficaram sem remuneração no mês de maio, sendo que a maior concentração de pessoas sem remuneração é nas regiões Norte e Nordeste.

Além disso, aproximadamente 34% dos trabalhadores afastados foram os trabalhadores domésticos sem carteira assinada (informais). Em contrapartida, no trabalho remoto predominam os trabalhadores com nível superior, cerca de 38%, enquanto este tipo de trabalho entre aqueles que não possuem nenhuma instrução ou fundamental completo não ultrapassou 0,6%.

Esses dados estão relacionados com outros tipos de índices, considerados socioeconômicos, para tentar entender as causas e as consequências desta crise especificamente no Brasil. A próxima seção enfoca esses índices, mostrando como o Índice Big Mac, o ICC e o IEC demonstram o atual cenário nacional. Mais informações sobre o cenário nacional estão disponíveis neste link.

2. Os índices socioeconômicos

2.1. O Índice Big Mac

Em 1986, a revista The Economist criou o Big Mac Index (Figura 2) para comparar o poder de compra da população em diferentes países. Nesse índice, o preço do famoso lanche Big Mac é comparado em diferentes países ao redor do mundo que possuem a cadeia de restaurantes McDonald’s.

 

5.2.png

 

Figura 2 – Índice Big Mac para cada país já normalizado pelo dólar.
Legenda: Gerada pela DataSprints no Einstein Analytics, da Salesforce. A escala de cores mostra a intensidade do valor do dólar.

Com o Índice é possível comparar o indicativo da Paridade do Poder de Compra (PPC) de cada um desses países usando como referência o preço do Big Mac. No entanto, sua escolha não é feita somente pela sua fama e disponibilidade de lojas ao redor do mundo, mas em especial pela sua homogeneidade em todos os países em que é comercializado, o que possibilita mensurar custos de produção e de venda.

Como se usa esse índice para comparar o poder de compra entre países?

Primeiro, leva-se em conta que o preço base é o preço médio do Big Mac nos Estados Unidos. Para os demais países, usa-se o valor médio, convertido pelo respectivo câmbio para a comparação dos preços. Deste modo encontra-se a paridade entre o poder de compra entre países diferentes.

O índice criado pelo The Economist propõe indicar a (des)valorização da moeda de cada país face ao Dólar americano ou a mesma relação entre outras economias.

Por exemplo, em julho de 2020, o valor do lanche aqui no Brasil era de R$ 20,90, que em dólar na cotação do período (R$ 5,34) equivale a US$ 5,71 o que significa que o real está desvalorizado 31,5% em relação ao dólar americano.

Poder de Compra no Índice Big Mac

O poder de compra é o que indica a capacidade das pessoas de uma região ou país adquirirem um conjunto de produtos e serviços. No caso deste índice, o produto utilizado é o Big Mac.

Considera-se o salário mínimo atual no Brasil de R$ 1.045,00. Se dividirmos este valor por 30 dias, temos que o salário mínimo diário é de R$ 34,83. Levando em conta a jornada de trabalho de 8 horas, temos que, por hora, um trabalhador ganha R$ 4,75. Isso significa que um trabalhador precisa trabalhar 4,8 horas para poder comprar um Big Mac.

A teoria da Paridade do Poder de Compra (PPC) é o método que compara esta capacidade entre diferentes países, cada um com a sua moeda e na mesma “cesta de produtos e serviços”.

2.2. Índice de Confiança dos Consumidores (ICC)

O ICC é um índice calculado mensalmente pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), que avalia a percepção dos consumidores quanto à sua situação econômica. Este índice identifica como as atitudes e os desejos impulsionam os hábitos de compra dos consumidores, permitindo mapear a evolução das suas prioridades e, assim, prever as tendências que estão a caminho. A Figura 3 mostra a variação mensal média do ICC de janeiro de 2019 a julho de 2020.

 

5.3.png

Figura 3 – Índice de Confiança dos Consumidores (ICC)
Legenda: Gerada pela DataSprints no Einstein Analytics, da Salesforce.

Este indice coleta dados junto a aproximadamente 2.200 consumidores do município de São Paulo, que respondem a perguntas dicotômicas (com respostas positivas ou negativas) nos moldes do indicador de confiança de Michigan, criado em 1950. Sua faixa varia de zero a 200 pontos. Esses consumidores respondem a perguntas como: (1) Você diria que você (e sua família) estão melhor ou pior financeiramente do que há um ano?; (2) Você acredita que daqui a um ano você (e sua família) estará melhor, pior ou igual financeiramente?; (3) Com relação à condição nacional, você acredita que nos próximos 30 dias teremos condições financeiras melhores, piores ou equivalentes?; (4) Pensando nos próximos cinco anos a situação do país como um todo, você considera mais provável um cenário positivo (com crescimento da economia, geração de empregos), negativo (com recessão econômica, aumento do desemprego)?; e (5) Você acha que agora é um bom ou mau momento para as pessoas comprarem bens duráveis?

O resultado de cada uma das questões é calculado como o percentual de respostas positivas. Estes resultados são contabilizados em dois sub-índices: o IEC (Índice de expectativas do consumidor, como mostra a Figura 4 de janeiro de 2019 a julho de 2020) e o ICEA (Índice de condições econômicas atuais). O primeiro é formado pelas respostas das perguntas (2), (3),(5) e corresponde à 60% do ICC.

 

5.4.png

 

Figura 4 – Índice de Expectativas do Consumidor  (IEC)
Legenda: Gerada pela DataSprints no Einstein Analytics, da Salesforce.

O diferencial do ICC em relação às demais variáveis macroeconômicas ligadas ao consumo é que os dados sobre o ICC são levantados de forma relativamente simples, o que praticamente elimina a necessidade de correções, possibilitando maior rapidez na sua divulgação dos resultados. Para mais informações, acesse este link. Como curiosidade, informações sobre um índice similar ao ICC podem ser encontradas neste link.

No período de pandemia, o ICC (Figura 3) obteve elevação de 5,6% – 108,4 pontos em setembro de 2020, ante os 102,6 pontos de agosto deste mesmo ano. Contudo, em relação ao mesmo período do ano passado, houve baixa de -3,4%. A maior influência foi devida ao ICEA que aumentou de 10% entre (set20/ago20) e reduziu de -27,3% (set20/set19), enquanto o ICE ficou em 4,2% (set20/ago20) e 8,3% (set20/set19). Isso indica que houve um impacto negativo da pandemia no comércio devido às condições econômicas do consumidor, reduzindo a velocidade de crescimento do comércio neste período.

Devemos observar também que até setembro o pagamento do auxílio emergencial parece ter beneficiado uma parcela dos trabalhadores informais e em estado de vulnerabilidade. De certa forma, isso trouxe uma recuperação do comércio após a queda de março-abril. A questão é se isso irá se manter visto que o valor do auxílio emergencial será reduzido à metade e pago somente até dezembro. Como a economia continua com níveis baixos de crescimento, o setor de serviços ainda continua prejudicado, o nível de desemprego continua baixo e há possibilidades de novas ondas de Covid-19, será que iremos continuar observando esta tendência de crescimento nos próximos meses?

Podemos observar também a variação no índice de confiança empresarial e do consumidor (Figura 5) e no volume de produção e vendas (Figura 6).

 

5.5.png

Figura 5 – Variação de confiança empresarial e dos consumidores entre setembro de 2012 e setembro e 2020

Fonte: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/201001_cc_48_visao_geral.pdf

 

5.6.png

Figura 6 – Variação na produção e no volume de vendas entre agosto de 2018 e agosto de 2020

Fonte: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/201001_cc_48_visao_geral.pdf

Nas Figuras 5 e 6 observamos que o nível de otimismo das empresas e dos consumidores foi diretamente impactado pelas mudanças drásticas características do cenário atual, assim como o volume de produção e venda de mercadorias. Quem não percebeu, por exemplo, a escassez de produtos eletrônicos e de outros tipos, além do crescimento substancial dos itens básicos de consumo no supermercado mais próximo?  E quantos mais não tiveram de abrir mão de algumas coisas para comprar a cesta básica ou o pão de cada dia? Poucos não foram, certamente.

CONCLUSÃO

Os dados socioeconômicos apresentados foram analisados segundo o pano de fundo da pandemia mundial de Covid-19. É relevante ressaltar que, para cada um desses indicadores, foi utilizada uma metodologia específica de cálculo. O que é comum a todos é que, além do modelo matemático ou estatístico, para fazer previsões acertadas é essencial que o economista tenha uma boa percepção do crescimento econômico do país e do mundo.

Podemos questionar também se a pandemia foi, de fato, a causa desse decréscimo no consumo. A cada vez que o fim da crise se aproxima, espera-se que esses índices se recuperem até retomarem seus índices de crescimento baseado no que indicam anos anteriores, a menos que outros fatores interfiram e tragam resultados bem diferentes. Um desses fatores é o corte do auxílio emergencial, que tem sido a principal fonte de renda de muitos trabalhadores no período de pandemia.

Por fim, tendo em vista o complexo cenário econômico que está sendo afetado pela pandemia, cabe destacar que a única maneira de navegar por esse mar bravio é com o auxílio de analistas experientes que possam interpretar as mudanças enquanto elas acontecem. Ainda não é possível prever o futuro, mas sabemos que há muitos profissionais capacitados trabalhando ativamente em frentes diferentes para superarmos essa crise.

 

Autores: Ana Carolina, Jéssica Assunção e Rodrigo Araújo e Castro

Deixe um comentário

Artigos Relacionados